13 de dez. de 2013

"O Rolê é longo, é grande a cidade"

Mais um dia. Mais um álbum lançado. Mais um lançamento depois de uma longa espera! Trata-se de mais um disco lançado dos Deserdados (já podemos dizer clássica do punk rock no Brasil, né?). E, para dar um grau a mais, estamos falando do terceiro disco com sons inéditos, lançado após 11 anos do anterior! É mais um dia, mas não se trata de um dia comum, principalmente para os que não precisam de muito mais que três acordes para contestar a “normalidade”! 



Quando tive a notícia sobre esse lançamento, tudo isso me veio à mente e já foi o bastante para despertar a ansiedade de conferir o que estaria por vir. Quando finalmente consegui o CD “Mais um dia”, como um ataque relâmpago a arte da capa já me chamou a atenção - a figura de um bonde, com a presença de diversos selos aliados a escolha das cores em tons monocromáticos com diversas pinceladas em verde. E neste momento, depois de ter escutado o álbum posso dizer que apenas essas primeiras impressões que tive da capa já dizem muito do que é apresentado após o clique do play!

Seguindo os passos da escolha visual da capa, as 13 faixas me trazem a sensação de praticamente um retrato da cidade de São Paulo, ou melhor dizendo, de qualquer cenário urbano das metrópoles do país. Um retrato psicológico e fotográfico. No decorrer do disco é como se tivesse tomado o bonde da capa e percorrido a cidade, em 13 faixas, 13 estações! E não só percorrendo o espaço, mas também o tempo, como sugere a escolha pelas imagens de selos de carta. E esse corre pelo espaço e o tempo da cidade é direcionado sempre com um olhar crítico, porém ainda assim com algum otimismo, o que os distancia um pouco do característico niilismo punk. Digo isso, pois vejo a ideia que o semáforo está verde e apesar do tempo e dos problemas, as pessoas e as bandas estão aí sobrevivendo desde a época das cartas e fitas K-7 até os tempos atuais em que a facilidade de conseguir os discos em MP3 faz com que o material das bandas seja consumido de forma quase descartáveis. Bandas nascem bandas morrem e outras (como os Deserdados) resistem. Tempos diferentes cada qual com suas dificuldades e benefícios, porém a música independente continua aí resistindo e se mantém em terreno fértil para bandas novas e nem tão novas assim. O sinal é verde, o bonde não parou e o punk está vivo. Com os Deserdados e muitos/as outros/as.

Apesar de o álbum receber o título da faixa “mais um dia”, eu diria que a música que dá o tom do conjunto da obra é a “Cidade Insônia”. Grande som em todos os sentidos! Em geral, encontrei letras muito bem trabalhadas com diversas imagens muito bem associadas. As faixas mostram diversos aspectos da “cidade insônia”, no sentido exato da insônia: algo que não descansa com todo o pacote de paranoias que isso gera. Para quem já deu um rolê no centro da cidade de São Paulo, logo que ouvir esse som entenderá o que eu quis dizer quando falei sobre o “retrato da cidade”.  

Iniciando o itinerário pela “cidade insônia”, já encontro o jeito que só as bandas punks sabem de falar de sua cidade sem cair em bairrismos, nacionalismos ou idealizações panacas dignas de lugares tropicais e abençoados por deus, ou de terras com palmeiras que os sabiás cantam. Sabemos que no cenário urbano Deus só aparece de vez em quando fardado pra pegar um arrego ou pra descolar algum com o dízimo na igreja. Deus esqueceu a cidade! 
Esse recado anti-idelização já vem de cara em “não há por que” (“não faça papel de idiota, enxergue esse lugar”). E isso se intensifica em diversas passagens em que já é notável a descrição de características negativas, ora individuais como em “Descartável (Vida deplorável/pense menos, trabalhe mais) e “Identidade” (Não há tempo para pensar/há alguém que pensa por mim); ora em outras críticas a problemas sociais como “balas perdidas” (Ninguém nunca viu justiça/ entre as balas perdidas), em “intolerância” (Pela sua salvação você matará e morrerá”) e a crítica à apatia perante a essas questões em “Sem respostas” (você diz: Sempre foi assim). E criticando quem caminha com a apatia de achar que tudo sempre foi (e será) assim, são dadas algumas pistas sobre como agir em “Qual lado seguir” (O lado maldito sabe ouvir/ me sinto bem por descobrir/qual rumo seguir), em “Sem Regras” ([...] nascemos para andar na contramão/ unidos e sem medo algum/com uma paixão em comum) e em “cidadão venerável” (“Destruir e recomeçar”). Dito tudo isso eu escolheria como música de encerramento do disco a “Joseph K.”, faixa que fala sobre o personagem do livro “O Processo” de Franz Kafka, o qual sofre longo processo judicial sem que lhe seja dito ao certo o seu crime. Talvez isso seja a metáfora perfeita para a vida na cidade, o resumo de tudo que foi encontrado durante as músicas do disco, tanto pelo lado negativo como pelo positivo: o certo é que nascemos aqui e temos que nos defender todos os dias sem saber bem o porquê! Presos e, um labirinto de concreto e passando a maior parte do tempo fazendo coisas que não temos vontade!




Pra finalizar, uma opinião bem pessoal é que o álbum é muito bom, tirando a ligação afetiva com os outros anteriores, eu diria que esse álbum é uma fase madura da banda e musicalmente falando (letras e melodias) arriscaria a dizer que evoluiu em relação aos outros, no entanto sem perder a identidade da banda, qualquer um ouvindo a primeira música já saberá que se trata dos Deserdados! 




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